sábado, 10 de setembro de 2011

Do Recinto Externo ao Santuário Interno

Trabalho apresentado em Loja em 09/09/2011

DO RECINTO EXTERNO AO SANTUÁRIO INTERNO
ANNIE WOOD BESANT
I
PURIFICAÇAO
Se nos fosse possível colocar-nos, em pensamento, num centro do espaço, do qual pudéssemos ver o curso da evolução, e estudar a história da nossa cadeia de mundos, tal como podem ser vistos pela imaginação mais do que pelo aspecto que apresentam, poderíamos interpretar o todo num quadro. Vejo uma grande montanha situada no espaço, com um caminho que vai girando em torno dela até atingir seu ápice. As voltas que esse caminho dá são sete, e em cada volta há sete estações onde os peregrinos ficam durante algum tempo. Dentro dessas estações eles têm de subir, volta por volta. Quando traçamos o caminho que sobe por aquela trilha em espiral, vemos que ele termina no topo da montanha, e leva a um majestoso Templo, como que feito de mármore, de uma brancura radiante, e que ali se ergue, cintilando contra o azul etéreo.
Esse Templo é a meta da peregrinação, e os que estão no seu interior terminaram o seu percurso no que se refere à montanha e ali permanecem apenas para auxiliar os que ainda estão subindo. Se observarmos o Templo mais atentamente, constataremos, ao tentar ver a sua construção, que ele tem, ao centro, um Santo dos Santos. Em torno desse centro estão os quatro Pátios, circundando o Santo dos Santos como círculos concêntricos. Todos estão dentro do Templo.
Uma parede separa cada Pátio do que lhe é contíguo, e para passar de um Pátio para o outro o caminhante deve atravessar uma porta, apenas uma em cada parede circundante. Assim, todos os que alcançarem o centro terão de passar por aquelas quatro portas, uma por uma. Fora do Templo ainda há outro recinto fechado, o Pátio Externo, e esse Pátio acolhe muitos peregrinos, mais do que os que estão dentro do Templo propriamente dito.
Olhando para o Templo e para os Pátios, e para o caminho que sobe em espiral pela montanha, vemos esse quadro da evolução humana e a trilha ao longo da qual a raça está caminhando, bem como o Templo, que é a sua meta. Ao longo daquele caminho que dá voltas à montanha, vasta massa de seres humanos vai de fato subindo, mas subindo vagarosamente, passo por passo. Às vezes, tem-se a impressão de que cada passo para frente corresponde a um passo para trás, e embora a tendência de toda aquela massa seja para subir, a ascensão é tão lenta que os passos mal se fazem perceptíveis. Esta evolução eônia da raça, subindo sempre, parece tão lenta, extenuante e dolorosa que nos perguntamos como podem os peregrinos ter ânimo para subir durante tanto tempo. Dando voltas à montanha, milhões de anos o peregrino segue. Enquanto ele caminha por ali durante esses milhões de anos, uma infindável sucessão de vidas parece passar, todas despendidas na subida. Cansamo-nos só de observar as imensas multidões subindo tão lentamente, caminhando, volta por volta, na escalada daquela estrada em espiral. Observando-as, indagamo-nos: Por que sobem com tanto vagar? Por que esses milhões de homens empreendem uma viagem tão longa? Por que se esforçam por alcançar aquele Templo situado lá no ápice?
A marcha se nos afigura muito lenta porque eles não vêem seu ponto de chegada, a sua meta, e não percebem em que direção estão viajando. Observando alguns caminhantes, vemos que estão sempre se desviando para os lados, atraídos para cá e para lá, sem qualquer propósito em seu caminhar. Não andam diretamente para frente, atentos ao que fazem, mas perambulam, como crianças, correndo atrás de uma flor ali, tentando apanhar uma borboleta acolá. Assim, temos a impressão de que todo seu tempo é desperdiçado, e apenas um pequeno avanço chega a ser conquistado quando a noite cai sobre eles e o dia de marcha termina.
Não parece sequer que o próprio progresso intelectual, lento como também é, torne o passo mais rápido. Quando observamos aqueles cujo intelecto é escassamente desenvolvido, eles dão a impressão de que, depois de cada dia vivido, mergulham no sono e dormem quase que no mesmo lugar que ocuparam na noite anterior. E quando voltamos os olhos para aqueles que se mostram mais altamente evoluídos, no que se refere ao intelecto, também esses estão viajando devagar, muito devagar, e a cada dia de vida parecem fazer pequeno progresso. Olhando assim para eles, nosso coração sente-se fatigado com aquela subida, e ficamos a pensar por que não erguem os olhos e entendem em que direção seu caminho os está levando.
Agora, o Pátio Externo, que alguns dos caminhantes da vanguarda estão alcançando, aquele Pátio Externo do Templo, dá a impressão de que pode ser atingido não apenas pelo caminho circulante, volta por volta, tão longo em torno da montanha, mas também por caminhos mais curtos que não a circundam, mas que podem ser escalados diretamente pelos flancos, se o coração do viajante for corajoso e suas pernas se mostrarem resistentes. Ao tentar ver como os homens encontram um caminho mais rápido para o Pátio Externo do que aquele que vem sendo trilhado por seus companheiros de viagem, parece que percebemos que o primeiro passo é dado para fora dessa longa espiral quando alguma Alma, que talvez por milênios tenha estado viajando volta por volta, compreende pela primeira vez o propósito da viagem, e vislumbra, por um momento, uma cintilação vinda do Templo lá do ápice. Porque aquele Templo branco envia raios de luz sobre os flancos da montanha. De vez em quando um viajante levanta os olhos, afastando-os das flores, das pedrinhas e das borboletas que estão pelo caminho, e aquela cintilação atrai o seu olhar. Olha para cima, para o Templo, e, por um momento, ele o vê.
Depois desse momentâneo relancear de olhos, nunca mais aquele peregrino será o mesmo, porque, embora apenas por um instante, compreendeu quais eram a meta e a finalidade. Viu o ápice rumo ao qual está galgando, e viu também o caminho íngreme, mas muito mais curto, que sobe diretamente do flanco da montanha até o lugar onde o Templo resplandece. Compreende, naquele momento, que a estrada tem um nome – Serviço – e que os que enveredam pelo caminho mais curto devem entrar através de uma porta, onde as palavras, Serviço do Homem, estão brilhando com letras douradas. A Alma compreende que, antes de poder alcançar pelo menos o Pátio Externo do Templo, deve passar através daquela porta e compreender que a vida é feita para o serviço e não para a auto procura, que a única maneira de subir mais rapidamente é fazê-lo por amor dos retardatários, a fim de que o auxílio mais eficaz, vindo do Templo, possa ser enviado ao encontro dos que vêm subindo, o que de outra forma não seria possível. 
            Essa visão não passou de um vislumbre fugaz, foi apenas um rápido olhar ziguezagueante, porque os olhos foram colhidos por um único dos raios de luz dimanados do alto da montanha. Há tantas coisas atraentes dispersas ao longo daquela estrada em espiral, que o relancear dos olhos da Alma facilmente se deixa atrair para elas. Mas, uma vez recebida aquela cintilação, existe a possibilidade de a Alma obtê-la de novo, com maior facilidade. Quando a meta procurada, o dever e o poder do serviço lograram essa momentânea e imaginativa compreensão da Alma, permanece ali o desejo de trilhar uma senda mais curta e encontrar o caminho que leve diretamente, pelo flanco da montanha, ao Pátio Externo do Templo. 
            Após aquela primeira visão, a Alma é visitada amiúde pelos raios de luz, cujo brilho vai se tornando cada vez mais intenso. Vemos que essas Almas, que apenas por um momento reconheceram que há um escopo, um propósito na vida, começaram a subir com maior resolução do que suas semelhantes. Embora ainda estejam dando voltas em torno da montanha, observamos que começam a agir com maior firmeza no que se refere às virtudes, e que se dedicam com maior persistência ao que reconhecemos como religião, essa religião que se esforça por ensinar-lhes como podem subir, e como o Templo pode finalmente ser alcançado. 
            Essas são as Almas que se distinguem entre as suas semelhantes pela sua diligência e vigilância. Elas caminham mais depressa, porque estão seguindo uma direção que principiam a vislumbrar qual seja, e assim começam, ainda que de maneira imperfeita, a tentar viver com um propósito definido. Apesar de ainda mal identificarem a natureza desse propósito, porque têm dele mais uma vaga intuição do que uma compreensão precisa, ainda assim já não estão perambulando ao acaso, de um lado para outro, às vezes um pouco para cima, às vezes mais para baixo. Estão, agora, subindo deliberadamente pelo caminho em espiral, e a cada dia seguem um pouco mais depressa, até se destacarem nitidamente à frente das multidões pela espiritualidade de sua vida, pela prática das virtudes e pelo desejo crescente de serem úteis aos seus semelhantes. Começam a empreender seu caminho para a vanguarda com maior celeridade, estão sempre buscando ajudar os que as rodeiam e tentando impulsioná-los mais depressa ao longo do caminho. 
            Em breve, com aqueles que, assim, estão amando e servindo, virá ao seu encontro uma figura que é bela, embora à primeira vista seu aspecto seja severo. Essa figura é o Conhecimento, e ele sussurra-lhes algo sobre as condições exigidas para um progresso mais rápido. A Religião, que os tem ajudado na prática das virtudes, é, por assim dizer, a irmã desse Conhecimento, como também o é o Serviço do Homem. E os três, reunidos, começam a encarregar-se da Alma. 
            Por fim, uma alvorada mais brilhante se faz presente, e, com ela, a identificação mais completa. E percebemos que a Alma começa a definir para si mesma a finalidade da sua subida, não apenas sonhando com o futuro, mas tornando esse sonho mais concreto em sua intenção. Veremos essa Alma identificando o Serviço como lei da vida. Agora, deliberadamente, desprende-se suavemente dos seus lábios a promessa de ajudar no progresso da raça. Esse voto é o primeiro que a Alma faz, o de doar-se ao serviço da raça, um voto que ainda não contém um propósito bem-definido, mas que já existe em embrião.
            Por fim, após muitas vidas de esforços, muitas vidas de trabalho, tornando-se mais pura, mais nobre e mais sábia vida após vida, a Alma revela distintamente uma vontade que agora se faz mais forte. Quando essa vontade se exprime como claro e definido propósito, não mais o sussurro que aspira, mas a palavra que ordena, então essa vontade resoluta baterá à porta que leva ao Pátio Externo do Templo, com um toque que ninguém poderá recusar. Esse toque revela a força da Alma que está determinada a vencer, e aprendeu bastante para ter noção da magnitude da tarefa que vai empreender.

            É uma tarefa que não pretende menos do que isso: separar-se da sua raça, daquela raça que vai subindo, volta por volta, durante milênios, passando ainda pelas rondas de um globo a outro, aquilo que conhecemos como a cadeia em fatigante sucessão. Essa Alma corajosa pretende subir a mesma montanha em apenas umas poucas vidas humanas; pretende, passo a passo, enfrentar a colina em seu mais íngreme ponto, o caminho que a conduzirá diretamente para cima, para o próprio Santo dos Santos. Tarefa de tal grandeza que o cérebro, ao pretender enfrentá-la, poderá até vacilar. 
            Seria possível afirmar que a Alma que se propõe a tanto começou a compreender sua própria divindade e a onipotência que está dentro dela própria como em um relicário. Empreender em poucas vidas o que a raça, como  um todo, vai realizando, não só quanto às raças que estão à frente, mas quanto às rondas que também estão no futuro, fazer isso é, certamente, tarefa digna de um Deus, e a sua realização significa que o poder divino está se aperfeiçoando dentro de uma forma humana. 
            Assim, a Alma bate à porta, que se abre para dar-lhe passagem, e ela entra no Pátio Externo. Atravessa-o, passo por passo, até alcançar a primeira das portas que levam ao Templo. Cada uma daquelas quatro portas é uma das grandes iniciações.  Alma alguma pode caminhar para além da primeira se não tiver aceitado o Eterno para sempre, se não tiver renunciado ao interesse pelas coisas meramente transitórias que a rodeiam. Porque uma vez que a Alma, através da porta do Templo, tenha adentrado um dos Pátios Interiores que ficam para além dessa porta e conduzem ao Santo dos Santos, nunca mais poderá sair dali. Aquela Alma escolheu seu destino para todos os milênios vindouros, e está no lugar do qual ninguém sai, uma vez nele entrado. 
A primeira Grande Iniciação faz-se dentro do próprio Templo. A Alma, cuja evolução estamos descrevendo, entretanto, ainda se encontra em preparação naquele Pátio Externo do Templo, a fim de que em vidas futuras tenha a possibilidade de galgar os sete degraus para a primeira porta, e ali esperar permissão para atravessar o limiar do Templo propriamente dito. Qual será, então, seu trabalho no Pátio Externo? Dali por diante, como levará suas vidas, a fim de tornar-se digna de bater à porta do Templo? Esse é o assunto que temos pela frente.  

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