
Ao mesmo tempo em que a liberdade para agir eleva o homem na escala da natureza – desenvolvendo poderes divinos dentro dele – pesa-lhe a condição de sofrer enquanto atuar menos racionalmente que seus próprios irmãos menores, os animais.
O budismo fala no “caminho do meio”, que é a opção do equilíbrio, a ser alcançado pelo exercício da moderação em tudo que fazemos. Por essa razão, no texto conhecido como “Óctupla Senda”, o Senhor Buda menciona uma das principais fontes de dualidade e sofrimento: o desejo, que é movido por atração e repulsão.
Ao entrar em contato com algo que nos desagrada, o que acontece? Buscamos imediatamente o lado contrário, à semelhança do vai-vem do pêndulo de um relógio. Esse impulso se alimenta do desejo (corpo emocional) e também da reatividade (corpo mental), funcionando como “almas gêmeas” dentro de nossa própria alma. Tudo aquilo que repelimos é o oposto que não queremos ver – mas que obviamente continua a existir – e segue nossos passos. Algo temos que aprender ali.
Fruto da mente em estado de excitação, apego e temor, a reatividade não deixa margem à reflexão. Nossa incapacidade de ouvir começa por aí, especialmente se o argumento do outro contraria a “verdade” que é simplesmente o nosso interesse. Enquanto fingimos prestar atenção ao que o outro diz, estamos arquitetando a resposta. A grande dificuldade experimentada nos relacionamentos – sob o nome de “incompatibilidade de gênios” – tem nessa característica mental sua principal origem.
Quanto ao desejo, sua direção obviamente é o prazer. Nossos movimentos são baseados na expectativa do prazer, seja ele emocional ou mental (o que acontece no corpo físico é somente um reflexo). Por trás do prazer, no entanto, há o fatalismo da dor, assim como as duas faces de uma moeda: uma não existe sem a outra.
Na questão dos vícios que envolvem atos físicos (alcoolismo, tabagismo) o oposto do prazer é visível no corpo que reage e adoece ao longo do tempo. O reverso do prazer está ali, mas não conseguimos vê-lo. E se por acaso vemos – mantendo o vício – naturalmente achamos que o sacrifício compensa, não percebendo a real extensão da dor pelo bloqueio na consciência. Dentro do jogo de atração e repulsão, fechamos os olhos ao sofrimento em gestação, escolhendo o prazer fatídico de agora.
Em outros tipos de vício, ligados aos pensamentos e sentimentos, a dificuldade de enxergar o oposto é ainda maior. Sendo ações repetitivas fora de nosso controle, os vícios geram automatismos energéticos impostos à nossa maneira de sentir e de pensar, facilitando o retorno daqueles pensamentos e sentimentos com mais força.
O vício, portanto, não é só uma questão física. Pensamentos repetidos de inveja, maledicência, luxúria e mentira são comportamentos viciosos, cujo prazer tem como oposto a angústia, falta de autoconfiança, vazio interior e outros reflexos da ausência de amor e comprometimento em nossa vida. Às vezes chamamos isso de “má sorte”, ignorando que a sorte - seja ela qual for - é criação exclusiva de nossas próprias mãos.
Coluna : A VOZ DO SILÊNCIO - Walter S. Barbosa, membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA
Nenhum comentário:
Postar um comentário